Seleção de Ações

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Publicado em:  September 2, 2018 utc
 

Ae galera, no post sobre objetivos e renda fixa eu comentei sobre reflexões que considero importantes antes de tomar a decisão de se investir no mercado financeiro e, em especial, na renda variável. Hoje, considerando que você, assim como eu, já se encantou pelo maravilhoso mundo dos investimentos (hehehe!!!) e tomou a decisão de seguir alguma das sugestões, vou explicar mais detalhadamente como seleciono a carteira de ações do Peste. Já adianto que o post será longo…

Um pouco de história…

Como todo mundo que começa a se interessar pelo mercado de ações, me impressionei de cara com os gráficos. Lá em 2007/2008 o acesso a eles era bem mais limitado do que hoje (a corretora Ágora me negou a abertura de uma conta porque eu não tinha renda mensal suficiente!), então, quando enfim consegui começar a ter acesso, achei demais os gráficos coloridos de candles, com suas linhas de médias, mostrando operações muito fáceis de serem identificadas e que dariam um lucro muito legal, comecei então a procurar na internet o que significava tudo aquilo.

Encontrei nesse caminho teorias que explicavam os movimentos em ciclos do mercado, bem como técnicas japonesas que associavam a leitura de determinados tipos de candle ao comportamento dos investidores, tudo com muita lógica e objetividade. Daí pensei: “É isso véi (brasilienses entenderão!), muito de boa operar essa parada!!!” . Peguei meu pouco dinheirinho e fui tentar fazer meus trades. Comecei perdendo e pensei: “Véi, normal, comecei agora, não dá pra chegar já ganhando!!!”. Insisti mais um pouco e o buraco só aumentava. Daí acertava um trade e pensava: “Agora vai!”. E errava o próximo. Daí acertava de novo e descobria o “poder” das taxas de corretagens sobre o lucro, principalmente de quem opera pequeno. Então, sem insistir muito, percebi que eu não tinha muito talento pra coisa. Me desiludi e me afastei do mercado.

Depois disso ainda sentia que precisava estudar mais pra me arriscar de novo, e comecei a procurar livros sobre investimentos. Nessa busca por mais informação, meu ex colega de trabalho no BB, Edvan, me deu uma dica de leitura sobre o assunto e avisou: “Fi, se prepara que o cara dá com um pau na cabeça dessa galera dos gráficos, FI!” e o livro era “O investidor inteligente” de Benjamim Graham, (já comentei alguma coisa sobre esse livro em Extraordinário: Dólar (Parte 1)).

O Edvan fez uma descrição precisa. Graham, investidor e professor americano (que sobreviveu à crise de 1929), descreve sua visão de investimentos em ações enfatizando o comportamento do investidor, conceitos de precificação de ações e estratégias de investimento, em especial, ele critica grafistas por não buscarem o valor dos negócios das empresas vinculadas às ações e, assim, não têm fundamento para avaliar se determinado papel está caro ou barato. Achei essa visão muito legal, e acho até hoje, daí continuei buscando sempre mais informações sobre esta “maneira” de se investir.

Múltiplos…

Continuando e buscando ser um pouco mais objetivo a partir de agora, uma das técnicas mais simples e tradicionais da escola fundamentalista, associada à precificações de ações, é a utilização dos múltiplos. São razões numéricas entre dados de mercado e dados contábeis de determinada empresa, montados com o objetivo de medir características das companhias. Sem dúvida a principal vantagem da análise de ações por múltiplos é sua simplicidade, o que acaba também por ser um problema se a pessoa busca uma análise mais profunda para o papel. Outra característica importante é que, normalmente, os múltiplos estão sempre olhando para o passado, mas pra mim isso não é um problema pois já assumi que não consigo prever nada, então, como nessa abordagem estamos avaliando a empresa e não seu gráfico, fico tranquilo em utilizar seu histórico de negócios reais.

Para a carteira do Peste utilizo múltiplos de mercado, Preço/Lucro (P/L), Preço/Valor Patrimonial (P/VP), Dividendo/Preço (Dividend Yield) e Valor da empresa/”Lucro operacional” (EV/EBTIDA). E múltiplos da empresa, como o “Lucro operacional”/Capital Investido (ROIC), Lucro/Valor Patrimonial (ROE) e Crescimento da Receita. O primeiro grupo que enumerei acima, que eu chamo de múltiplos de mercado, comparam o valor de mercado (=preço da ação) a alguma informação da companhia (Lucro, Patrimônio ou Dividendos), logo são dados que variam diariamente com os preços e dão a primeira ideia se o papel está barato ou caro. O outro grupo, múltiplos da empresa, são compostos apenas por dados contábeis e comparam dados muito mais associados à saúde da empresa e sua capacidade de gerar lucros. Meu objetivo então é associar estes variados múltiplos para guiar a busca por empresas lucrativas e saudáveis a preços baixos ou, pelo menos, justos.

Um livro um pouco mais avançado sobre o assunto que li no meio dessa caminhada é o: Valuation – Como precificar ações, do Alexandre Póvoa. Ele entra em detalhes sobre as técnicas de valuation com a vantagem de ser um autor brasileiro com exemplos nacionais (a literatura nacional ainda não é muito rica no assunto!!!).

Fonte de dados…

Uma vez definidas as informações que preciso para avaliar um papel, onde encontrá-las? Dados relativos aos fundamentos das empresas são menos comuns na internet do que as informações de preços e gráficos das ações. Mas, seres humanos iluminados, criaram um site gratuito e muito bom que disponibiliza as informações que eu preciso gratuitamente. É o Fundamentus (Se um dia algum de vocês conhecerem os responsáveis, diga que sou fã!). Uma vez na página inicial desse site, clicando em “busca avançada por empresa” e novamente clicando em “buscar”, será aberta uma página com esta cara.

Outra página do Fundamentus com dados importantes são os históricos de pagamento de dividendos por ação, apresentados conforme a figura abaixo.

Portanto, o site fornece os dados que preciso para todos os papéis negociados na bolsa. Cara, descobrir esse site uns anos atrás foi um baita adianto pra mim!!!

Ordenando as ações…

Beleza, agora eu já sei que quero utilizar uma abordagem fundamentalista para selecionar ações, já defini que os múltiplos serão minha ferramenta de análise e descobri onde buscá-los, então quais empresas escolher? Quais critérios utilizar pra ordenas as ações? Qual o valor de P/L para considerar uma ação barata? Qual o valor de ROIC para considerar uma empresa saudável? e etc.

As respostas pra essas perguntas são variadas e cada um pode divulgar e desenvolver um método próprio. O meu, depois de alguns anos testando e procurando, foi muito influenciado pelo que li recentemente no livro The Little Book That Still Beats the Market, de Joel Greenblatt. Apesar de ter um nome horrível (não gosto de títulos de livros que fazem parecer ser fácil ganhar dinheiro na bolsa!), o livro é realmente pequeno e com uma ideia simples para ordenar uma lista de ações baseado em múltiplos fundamentalistas.

A ideia explicada no livro é que se ordene a lista pelo múltiplo escolhido para a análise, por exemplo o P/L. Por ser um múltiplo quanto menor melhor, ordenamos do menor para o maior e criamos um “ranking” onde o primeiro lugar é o menor P/L e recebe um ponto, o segundo dois e assim por diante.

Depois, fazemos o mesmo para os múltiplos que desejarmos, por exemplo, para o Div. Yield, que é um múltiplo quanto maior melhor, ordenamos a coluna do Div. Yield do maior para o menor e criamos o Ranking Div.

Por último, somamos a pontuação dos rankings de cada papel e ordenamos do menor para o maior.

Com isso, conseguimos ordenar as ações de modo que os papéis com menores valores na coluna “SOMA” apresentam os melhores valores para os múltiplos analisados. Para o exemplo acima destaco a ação MEAL3, apesar de ela apresentar o segundo melhor Div.Yield deste exemplo, ela também possui o pior P/L, o que a faz ser preterida na lista por ações com menores dividendos, mas com números melhores para o P/L.

Carteira do Peste…

Então, para finalizar a parada, mensalmente utilizamos os dados do Fundamentus e os múltiplos listados na tabela para ordenar as ações conforme descrevi acima, porém um conservador e importante filtro é adicionalmente aplicado à lista de ações. SÃO MANTIDAS NA LISTA APENAS AÇÕES QUE PAGARAM DIVIDENDOS ININTERRUPTOS (AO MENOS UMA VEZ AO ANO) PELOS ÚLTIMOS 15 ANOS! E esse é talvez o critério mais rigoroso e diferente que utilizo.

Senti necessidade de criar um critério tão forte porque os múltiplos são como fotos, apresentam apenas os dados de momento das empresas. Então assim podemos ter uma ideia do bom desempenho de uma companhia no tempo, uma vez que a empresa só pode pagar dividendos se conseguir lucro no ano, ou se distribuir lucros passados retidos.

O horizonte de tempo tão grande serve para aumentar a probabilidade de abranger ciclos completos de crescimento e crises na economia. Por exemplo, no momento em que esse post é escrito essa contagem inicia-se em 2003, de lá pra cá tivemos: Boom imobiliário e de ações no mercado americano, investment grade brasileiro, implosão do mercado imobiliário americano, crise econômica mundial em 2008 e recessão econômica brasileira. Só nos eventos políticos brasileiros tivemos por exemplo: o mensalão, a lava-jato, o impeachment da Dilma e estamos diante de uma eleição que promete ser muito louca. Então uma empresa que resistiu a tudo isso dando lucros e ainda distribuindo um pedaço desses lucros com seus acionistas merece os meus parabéns.

Outro efeito óbvio deste critério é eliminar empresas que não conseguiram vingar no mercado nacional. E pra mim o maior exemplo recente são as empresas do grupo X, que apesar de terem sido lançadas na época como grandes empreendimentos importante para o futuro do Brasil (minha cara enquanto escrevo isso é o meme abaixo), faliram violentamente, carregando muita gente junto.

Então é isso pessoal, post gigante para um assunto importante pra mim e que gosto muito… abraços…

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